Merda, ta tremendo


"Merda, ta tremendo", foi uma das primeiras coisas que veio na minha cabeca quando tudo comecou.
Às 3h30 da madrugada acordei sentindo tremer minha cama. Minha cachorra, Kate, estava agitada. Eu pensei: "Ah, ta tremendo, vou voltar a dormir".
Aqui no Chile é muito comum que hajam pequenos tremores de terra, que duram poucos segundos e nao assusta muito as pessoas. Eu ja me acostei a acordar de madrugada com isso e aprendi a nao dar muita atencao porque em dois ou tres segundos tudo volta ao normal.

"Merda, ta tremendo", foi a segunda coisa que passou pela cabeca. Abracei a Kate e fiquei sentada na cama por alguns segundos. A coisa continuou, o barulho de pedras caindo do lado de fora me fez saltar e ficar parada debaixo da porta do banheiro.

Em algum momento haviam me falado que numa situacao de terremoto, temos que ficar parados embaixo da marquiza de uma porta. Foi o que eu fiz abracada a cachorrinha que nao parava de latir, chorar e tremer.

Olhos fixos no nada, coracao acelerado, vontade de chorar. Nao se pensa muito nessa hora. Sao muitas emocoes ao mesmo tempo.

Estava com meu pijama rosa claro, pensei: "Por sorte dormi vestida hoje".
Quando a terra parou, nao tinha idéia do que fazer, para onde ir, pra quem ligar. Ia saindo de pijama para perguntar ao porteiro o que eu deveria fazer.

Abri a porta e vi as pessoas descendo pelas escadas.
"Ok Lígia, pensa". Fechei a porta, abri o armario, tudo escuro. Peguei a primeira roupa que tinha por ali, vesti por cima do pijama. Abri a porta novamente.

"Ok Lígia, tranquila, voce tem que estar tranquila, pensa primeiro e age depois". Voltei. Peguei um cartao de credito e o documento chileno, abracei a Kate e agora sim, saímos.

No saguao do predio estavam muitas pessoas. Eu nao tinha ideia do que deveria fazer, para onde ir, onde me esconder. Queria gritar, chorar, ligar pra minha família. Nao podia acordar meus pais numa madrugada e dizer: "Oi pai, oi mae, to aqui num terremoto, ta super emocionante e eu amo voces".

Olhava pros lados e nenhuma luz. O celular nao funcionava, queria saber se meus amigos estavam bem. Por fim consigo falar com uma amiga.

"Oi ta tudo bem? - Ta tudo bem, so nao sei o que fazer. - Ah vai pra rua, fica ai, vem replica disso, vai tremer de novo"
Pouts, obrigada amiga, voce me deixou bem tranquila.

Ok, proxima chamada para um chileno:
"Oi, como voce ta? - Com medo, nao sei o que fazer. - Puxa Lígia, fica tranquila, la em Valparaiso..."

Puta que pariu... o que passa com essas pessoas? eu nao queria saber as notícias nacionais e nem que viria outro tremor, estava em PANICO e tentando, sozinha, me tranquilizar.

Por fim, uma amiga que mora ha uma quadra me chamou e passei a noite com ela na esquina, a espera de nao sei o que.

Às 8h voltei pra minha casa, entre medo e vontade de dormir, comer, fazer xixi, chorar. Escolhi dormir e ver depois o que fazer.

Deitei, fechei os olhos e advinha? Voltou a tremer. Bem leve dessa vez, mas eu pulei da cama e ja tava na porta de sapato, mochila e Kate na mao.

Alguns minutos depois voltei a dormir, entre um telefonema e outro. Nao conseguia falar com minha família. Queria dizer que eu estava bem antes que eles vissem as notícias.

Infelizmente nao deu tempo. Quando finalmente falei com meu pai, ele ja sabia do que tinha acontecido e vários amigos tinham ligado para eles em busca de informacoes sobre mim.

Por último, porque agora tenho que ir organizar a casa e ver meus amigos daqui, quero dizer a todos que os AMO muito, estou bem, a cidade nao está tao afetada, mas obviamente PASSAMOS POR UM TERREMOTO. Eu ainda estou assustada, com o coracao acelerado, tentando manter a calma, mas o mais importante disso tudo é que estou viva, estou bem e agora tenho forcas para ir ver a situacao dos outros e ajudar no que puder.

Obrigada a todos pelo carinho. Nesse momento, ter amigos e amor é a melhor coisa que podemos ter.



1 comentários:

Agora trabalho aos sábados...chego na universidade e minha orientadora comenta: "você viu o que aconteceu no Chile essa madrugada? Um tremor daqueles, um dos maiores nos últimos 100 anos...foi pior do que no Haiti!". Entro em pânico. Quando ouço a palavra Chile, a imagem que vem à minha cabeça é o rosto da Lilica. Não tenho créditos no celular, ligo para meu pai e o acordo. Sem explicar nada peço para que ele ligue na casa do Sr.João, e que tenha notícias da Lígia! Ele desliga o telefone sem falar tchau, aguardo desesperadamente o retorno...trinta minutos mais tarde, soube de uma mensagem na caixa postal do Sr. João pós tremor: "liga pra mim". Ela tá viva!
Só pensava na vida...não ligava para apartamento todo quebrado, falta de comida, aeroportos fechados...ela tá viva! Viva!
Beijo grande e, volta logo!